Um homem que perdeu a mobilidade de parte do corpo ganhou um novo sentido para a vida: ajudar as pessoas a superar seus problemas. Quase seis meses depois de ser atingido por um tiro que lhe roubou os movimentos, o vigilante Jeimyson Azevedo, de 27 anos, leva seus dias de sorriso aberto e sem reclamar das dificuldades que a deficiência lhe impõem. Religioso, ele crê que ainda vai voltar a andar e projeta planos para o futuro.
Jaimyson teve o cotidiano transformado depois de ser atingido por um disparo de arma de fogo durante um assalto à farmácia na qual trabalhava como vigilante, em abril passado. A bala, que ainda está alojada no pescoço dele, fraturou três vértebras e lhe condenou à paraplegia.
Apesar da trágica história contada pelo vigilante, que não se abala ao lembrar o ocorrido, Jaimyson diz que é feliz, porque o atentado lhe rendeu uma nova visão sobre como tratar as pessoas, os familiares, e novas perspectivas sobre os seus propósitos.
“Minha agenda está lotada até o dia 4 de dezembro”, conta. Jeimyson Azevedo tornou-se palestrante em igrejas. Depois de sobreviver ao disparo e superar as expectativas médicas, o vigilante atribuiu o ato a Deus e voltou a frequentar cultos evangélicos.
Ele recorda que havia dois anos que estava afastado da prática religiosa, depois de passar 10 frequentando a igreja. Antes da deficiência, quando não estava trabalhando, Jeimyson passava a maior parte do tempo na academia. “Tinha uma vida muito ativa, tinha umas alunas a quem eu prestava o serviço de personal”, lembra.
O vigilante dedicava muito de seu tempo ao corpo. Ele conta que em outubro deste ano iria competir em um campeonato de fisioculturismo, e vinha em uma preparação de meses para conseguir estar bem para o dia do torneio.
No entanto ele foi surpreendido pelo disparo e a paraplegia, que o impede de voltar aos exercícios físicos. Contudo o tom da fala de Jeimyson não é de lamentação. “Foi um acontecimento que me trouxe de volta à igreja”, comemora.
“É um trabalho sensacional, ainda me continuo sentindo útil. Eu passava 24h dentro da academia, agora consigo passar também praticamente 24h abençoando vidas, tanto em cima de púlpitos, como através das redes sociais e das visitas que vêm aqui em casa”, relata.
Nas palestras que concede em diversas igrejas da cidade, Jeimyson revela aos fiéis detalhes sobre as dificuldades que enfrentou durante todo o processo após o tiro, e relaciona a sua vivência com textos bíblicos, para estimulá-los a persistirem em seus objetivos e não desanimarem perante as condições adversas que possam lhes ser impostas.
Sob a expectativa de voltar a andar, Jeimyson segue a caminhada de fé com a felicidade da certeza de que a deficiência, apesar ter lhe privado de algumas atividades, lhe presenteou com um novo estilo de vida e um renascimento. “Antes eu ajudava a transformar corpos, agora ajudo a transformar vidas com a palavra de Deus”, sorri.
O tiro e a queda
Era noite naquela segunda-feira, dia 4 de abril, em mais um início de semana de labuta para Jeimyson Azevedo. Vigilante de ofício, ele fazia guarda em uma farmácia no bairro Igapó, Zona Norte de Natal. O estabelecimento fica ali próximo ao viaduto que leva o nome do bairro.
Fazia três meses que Jeimyson tinha topado o trabalho. “Não tinha ninguém que quisesse ir pra lá, devido aos inúmeros assaltos que já tinham acontecido”, diz.
Segundo afirmou o vigilante, foram 14 assaltos no período que antecedeu a sua ida para o estabelecimento farmacêutico. “Foi quando me ligaram pra ir pra lá e eu prontamente aceitei”, lembra.
“Passados os três meses foi quando a gente foi surpreendido pelos dois jovens”. Naquela noite, Jeimyson fazia guarda normalmente, como em todos os outros dias. Ele estava do lado de dentro da farmácia no momento em que os dois assaltantes chegaram ameaçando com um revólver. Queriam seu colete e arma.
O vigilante diz que, em depoimento, um deles, o adolescente, afirmou ter chamado o comparsa para praticar o crime por não ter coragem de fazê-lo sozinho. “Segundo ele, o outro lhe devia e ele o chamou para fazer esse assalto. Daria o revólver e o colete como pagamento”, revela.
O adolescente se aproximou de Jeimyson olhando para as fraldas expostas em uma prateleira próxima. “Mas ele não percebeu que eu estava de olho na cintura dele”.
Foi quando chegou o outro assaltante. “Preocupado com as pessoas que ali estavam, resolvi não esboçar reação alguma, para poupar tanto a minha vida, quanto a de todos que estavam ali”, afirma o vigilante.
Depois de recolherem colete e revólver, os dois tomaram o rumo da porta da farmácia, no entanto um deles voltou. “Ele deu dois passos para sair e, de forma inesperada, voltou e efetuou o disparo”, lembra.
Jeimyson relata que passou alguns minutos inconsciente, voltando a enxergar um tempo depois de ter caído ao chão. “A minha voz ficou muito fraca. O Samu chegou à farmácia em aproximadamente 40 minutos”.
O vigilante diz que, de forma “inexplicável”, o ferimento provocado pelo tiro estancou. Os paramédicos o imobilizaram e conduziram para dentro da ambulância, que o levou até o Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel, no Tirol.
Diagnóstico primário e superação
Ao chegar ao Hospital Walfredo Gurgel, Jeimyson foi atendido pela equipe de plantão e, dados os danos causados pelo projétil que perfurou o seu pescoço, o quadro dele foi preliminarmente diagnosticado: a bala atingiu a coluna cervical e o rapaz estava fadado à invalidez.
“Não estou vegetando, nunca me alimentei por sonda, minhas cordas vocais estão intactas, os movimentos da parte superior já tenho muita flexão, extensão. E eu tenho convicção que Deus começou essa obra e vai aperfeiçoar: em breve eu estarei andando”, projeta Jeimyson.
Para a surpresa dos médicos que cuidavam de seu quadro, a melhora do vigilante tem acontecido a cada nova sessão de fisioterapia, segundo ele mesmo relata. Recentemente, Jeimyson postou um vídeo em suas redes sociais, no qual aparecia erguendo um copo para tomar água sozinho.
Foram 31 dias de internação no Walfredo Gurgel. O projétil que atingiu o vigilante permanece alojado na parte posterior direita do pescoço dele. “Não foi feita cirurgia. Os médicos disseram que não seria necessário fazer cirurgia porque está em um local onde o corpo, por si, reconhece como objeto estranho e vai criar uma espécie de casulo em torno do projétil e lá vai ficar”, explica.
Jaimyson faz sessões de fisioterapia três vezes por semana e toma algumas medicações, porém afirma conseguir viver feliz dentro de suas limitações atuais. Para o futuro, planeja ainda voltar a exercer a profissão de vigilante. “Quando voltar a andar”, diz.
“Família é a base de tudo”
Logo após ser atingido pelo disparo, ainda no Walfredo, Jeimyson lembra de ter visto o seu supervisor da empresa de segurança no hospital. Mas ele não estava lá para visitá-lo.
“Ele foi lá apenas para recolher as munições que ainda estavam no meu cinto, apontou para mim e foi embora. Não disse nem ‘boa sorte’, ‘valeu’, ‘obrigado’, ou ‘se dane’. Não disse nada e foi embora”, reclama.
Com a falta de assistência dos empregadores, a família do vigilante precisou se mobilizar para ajudá-lo. A irmã de Jeimyson, Jeize Azevedo, lembra que contatou a empresa de vigilância solicitando auxílio. “Eles disseram que iam passar a solicitação para a Central e depois me davam retorno, mas esse retorno nunca teve”.
Jeizy afirma que somente depois que procurou a imprensa para denunciar o descaso, a empresa ofertou ajuda. Mesmo assim, pagou os aluguéis da residência da família Nunes Azevedo até junho e não deu mais as caras.
Jeimyson, os pais dele, a irmã, o cunhado e o sobrinho moravam em uma pequena casa no bairro das Rocas. O imóvel ficava abaixo do nível da rua e, por isso, foi preciso se mudar e alugar uma residência. Não havia acessibilidade.
Para se adequar à nova realidade, Jeize e a mãe pediram demissão do trabalho. Elas agora se revezam nos cuidados a Jeimyson. Toda a renda da casa é proveniente do salário do pai e do cunhado do vigilante, assalariados.
Os custos mensais com fraldas e medicamentos para Jeimyson, segundo Jeize, giram em torno de R$ 1,5 mil. A família depende de doações. “Família é tudo. Se não fosse eles, eu não estaria aqui”, diz o vigilante.
Os irmãos recordam que, antes do atentado, os parentes viviam muito isolados, porém a dependência de Jeimyson os uniu. “Tinha vida muito voltada pra academia, para outras pessoas, e agora valorizo a família. Agora, como sou totalmente dependente deles, reconheço o quão necessário é a família”, diz o jovem.
“Tem coisas na vida que a gente só consegue perceber depois de passar pelo limiar da morte ou perder algumas coisas. A gente acaba valorizando aquilo que não tinha valor para nós, e acaba percebendo que aquilo que a gente dava tanta atenção, gastava tanto tempo, não era tão importante assim”, finalizou.
FONTE: Novo Jornal