A crise econômica afetou todos os setores da sociedade e a segurança privada não ficou de fora. Segundo levantamento elaborado pelo Fenavist (Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transportes de Valores), em 2015 e 2016 foram fechados quase 50 mil postos de trabalho na área que, ano passado, contava com 630 mil trabalhadores. Essas empresas oferecem serviços na vigilância patrimonial, transporte de valores, escolta armada, segurança pessoal privada e eletrônica.
“Esses postos que perdemos foi mais na vigilância”, explica Jeferson Furlan Nazário, presidente da Fenavist e há 30 anos trabalhando nesse setor. “É um serviço caro. Sem uma situação econômica estável, além da inexistência de novos contratos haverá rescisões por causa da crise. Todas as despesas começam a ser cortadas. Segurança gera conforto. Mas, sem dinheiro, ele fica de lado e o patrimônio se torna vulnerável”, comenta Jeferson Nazário.
De acordo com Mirian Bazote, que é Delegada Regional do ABC da Sesvesp (Sindicato das Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica e Cursos de Formação do Estado de São Paulo) e empresária na área de segurança há 23 anos, os encargos trabalhistas são também grandes vilões no mercado.
“Um serviço mensal tem, no mínimo, quatro funcionários trabalhando 24 horas para cobrir dia e noite, sete dias por semana, durante um mês. O vigilante trabalha em escala de 12 horas por 36 e recebe 30 % de periculosidade sobre o salário, mais todos os benefícios da lei. Os custos totais saem em torno de R$ 23 mil”, explica Mirian, que conclui: “Considero os encargos trabalhistas o fator que mais complica a situação. Sem falar que a Justiça do Trabalho também é extremamente protecionista”.
Para tentar driblar a crise, as empresas tentam adaptações, como a substituição de pessoal por tecnologia. Uma opção mais barata porque se compra equipamento e paga-se a mensalidade para monitorar o ambiente. “Mas essa substituição não é feita de maneira integral. Quando se tem um homem no local há diminuição do tempo do bandido no patrimônio, é imediato. Com a segurança eletrônica isso não é feito de maneira integral. Vai depender da hora em que o policial chegar e pode levar de minutos a horas”, explica Jeferson Nazário.
Outra alternativa para baixar custos é a contratação de vigilância apenas para a noite com um porteiro durante o dia. “A empresa se dispõe a ter menos segurança durante o dia porque está claro e, em tese, é mais seguro. Mas sabemos que isso não é uma realidade”, comenta Mirian Bazote.
Início na ditadura
Em 20 de junho de 1983 foi sancionada a Lei 7.102 que dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros e estabelece normas para constituição e funcionamento de empresas particulares que queiram atuar com serviços de vigilância e transporte de valores.
Essas empresas nasceram da necessidade de proteger os bancos contra os ataques de guerrilheiros nos anos 60 e 70. “Dinheiro de malote era transportado tranquilamente em Kombis de uma agência para a outra. Quando esses grupos descobriam o quanto que era fácil, começou a ficar complicado”, explica Mirian Bazote. Hoje há contratantes em todas as áreas. “Temos na esfera pública como prefeituras, Polícia Federal, ministérios. Depois vem os bancos e o setor industrial”, comenta Jeferson Nazário.
Opções ilegais de segurança privada
A clandestinidade pode se apresentar de diferentes formas. “O mais clássico é a empresa que presta serviços de atendimento que assume a segurança sem ter a autorização da Polícia Federal para isso”, explica Rogério Almeida Lopes, agente de Polícia Federal aposentado, diretor da Essp- Empresa de Suporte à Segurança Privada, consultoria especializada em dar suporte ao segmento na legalização da atividade.
“Temos também aqueles que fornecem esse tipo de segurança com policiais aposentados ou fazendo bicos. Ou então recrutam mão de obra barata para fazer esse trabalho sem arma. É o segurança da padaria, do supermercado”, esclarece o Coronel PM José Vicente, consultor em segurança.
“Isso é uma concorrência desleal. Enquanto a legalizada tem de cumprir vários compromissos fiscais trabalhistas, essa não tem, é despreparada, não presta o serviço a que se propôs”, comenta Rogerio Almeida.
Embora não haja pesquisa sobre o assunto, o mercado tem uma estimativa nada animadora quando à existência de empresas clandestinas. “Temos uma ideia de que para cada legalizada há quatro empresas clandestinas no estado de São Paulo. E é mais ou menos o mesmo cálculo que fazemos para os vigilantes. Mas acredito que possa ter havido aumento nesse número por todas essas dificuldades”, comenta Mirian Bazote.
A conta de João Soares, presidente do Sindicato dos Vigilantes de Curitiba e Região (SindVigilantes Curitiba) e presidente da Confederação Nacional dos Vigilantes (Contrasp), se aproxima desse número, no Paraná. “É quase a mesma coisa. Para cada vigilante que trabalha em empresa especializada em segurança privada, há mais três na clandestinidade e o número é o mesmo para empresas que trabalham de maneira ilegal. É muito grande e assustador. São pessoas que trabalham sem treinamento, curso de formação, reciclagem. São empresas que não têm autorização da Polícia Federal. O pessoal muitas vezes trabalha armado sem preparo e colocam em risco os contratantes, que acham que estão com uma firma especializada e, na verdade, estão com um clandestino e colocando em risco seu patrimônio”.
Com 30 anos de experiência sindical na área ele acredita que esse número pode estar aumentando ainda mais. “O clandestino é barato, a empresa
não tem responsabilidade nenhuma pelo funcionário. Se acontecer um sinistro a clandestina sai do mercado e a responsabilidade fica para o contratante. E estão maquiando a nomenclatura. É vigilante, mas mudam para controlador, por exemplo, e oferecem serviço mais barato. Esse cara faz o trabalho de um vigilante sem o preparo.”
Segundo informações da Secretaria de Segurança Pública no Estado de São Paulo há 120 mil policiais, contando com a Polícia Militar, Civil e Científica. O número de vigilantes em São Paulo cadastrados na Polícia Federal é cinco vezes maior: 618.375. Destes, 153.733 estão na ativa, ou seja, têm vínculo empregatício com empresas segundo a PF.
O Coronel PM José Vicente vê esses números como normais. “Na Inglaterra, por exemplo, há o dobro de vigilantes comparado com o número de policiais. Nos Estados Unidos, chega a ser três vezes maior. Não significa falha na segurança pública. Há uma demanda grande desse tipo de serviços. E com maior vigilância privada, pode se intensificar o policiamento nas áreas mais necessitadas.”
O raciocínio de Soares vai em outra direção. “O número de vigilantes ser maior que as forças policiais mostra a fragilidade da segurança pública”, diz o sindicalista, que acrescenta: “Quando um vigilante entra em uma empresa especializada, a Polícia Federal é automaticamente informada. Os que não fazem parte dessas firmas muitas vezes podem estar prestando um serviço clandestino que nem a PF e nem nós temos controle de como estão atuando. Trabalham em casas noturnas, pequenos comércios, por conta. Só que fazendo serviço ilegal por não respeitarem as regras e não estarem empregados em empresas autorizadas”, explica.
De acordo com Rogério Almeida, empresas clandestinas sempre existiram. “Mas não há números oficiais para compararmos e dizer que elas aumentaram. Não tem como mensurar. Porém devem ser combatidas independentemente da quantidade”, comenta o consultor que elogia o trabalho da Polícia Federal, responsável pelo controle dessas empresas.
“Na minha opinião executa um bom trabalho, apesar das deficiências na quantidade de funcionários para fazer as vistorias e um controle eficiente da atividade. Nem todas as Superintendências estaduais dão respaldo para as Delesp´s” comenta o consultor se referindo às Delegacias especializadas no Controle de Segurança Privada da Polícia Federal.
“Por serem clandestinas, não sabemos o número. Mas fazemos trabalho de fiscalização e, às vezes identificamos, sim, que empresas de prestadores de serviço de portaria vendem ilegalmente para o cliente serviço de vigilante, de segurança. O contratante paga, mas essa empresa não está autorizada a prestar este serviço”, explica a delegada de Polícia Federal, Bruna Rodrigues Menk, chefe da Delegacia de Controle de Segurança Privada no Estado de São Paulo.
“Fiscalizamos supermercados, padarias, feiras, fabricas, galpões. Entrevistamos todo mundo. Não importa o nome que colocarem na carteira. É muito comum colocarem fiscal de loja. Quando entrevistamos verificamos que as atribuições se confundem com as de vigilantes, que ela tem o dever de impedir furto, que alguém estrague algo ou algum ilícito. Essa pessoa está dentro das atribuições de vigilante. Independente do nome na carteira, foi contratado um serviço de segurança”, comenta a delegada, acrescentando que, tanto a loja quanto o contratante são notificados e, ao final do processo administrativo, se se confirmar o trabalho de segurança privada a empresa fica impedida e sem condições de emitir nota fiscal. “Encontramos isso com certa frequência e esse é o procedimento.”
De acordo com dados fornecidos pela Polícia Federal, o total de empresas de segurança privada especializadas e de orgânicas (aquelas que optam por contratar diretamente os vigilantes em vez de terceirizar a função) regulares, no Brasil é de 2.253. Dessas, 511 estão no Estado de São Paulo e 306 na capital. O número de empresas encerradas esse ano foi de 1.579 (em todo o país), 342 (no estado de São Paulo) e 186 (capital).
Para uma empresa de segurança privada funcionar legalmente há uma longa série de requisitos que vão desde a idoneidade dos sócios diretores (que não podem ter condenação criminal registrada) e seguro de vida coletivo para conseguir a autorização de funcionamento em nível estadual. Também é necessário o Certificado de Segurança para o qual se considera a instalação física que, obrigatoriamente, deve separar os ambientes administrativos e operacionais onde ficam vigilantes, coletes, armas, cofres, entre outras exigências.
O controle sobre armamento é rígido também. “Qualquer extravio ou incidente, como disparo acidental ao guardar a arma, tem que ser comunicado à Policia Federal. “Controlamos tudo, inclusive a munição. E se ela não existir mais, damos baixa em seu registro. Fiscalizamos, inclusive, se ela é acondicionada adequadamente. Não pode ser guardada fora de cofre”, explica a delegada Bruna Menk.
As regras são muitas, rígidas e inclui os vigilantes. Os candidatos à função precisam preencher inúmeros requisitos para exercer a profissão. Entre eles, a restrição para idade, que não pode ser menor de 21 anos. Fora isso, ele tem de fazer o curso de formação somente ministrado por empresas de segurança autorizadas pela Polícia Federal. Exame médico e psicológico idêntico ao que é feito para ter porte de arma. E, claro, sem antecedentes criminais e estar em dia com formação militar.
A cada dois anos obrigatoriamente esse profissional tem que fazer reciclagem com novo exame médico, psicológico e provas incluindo a de tiro. Mas, a partir do momento em que o profissional começar a trabalhar, a empresa é responsável por essa reciclagem. E todos os empregados de empresas de segurança fazem parte de um cadastro da Polícia Federal que inclui o posto em que trabalha. “Temos um controle bom”, diz Bruna Menk.
Por todos esses cuidados se torna importante pesquisar sempre se a empresa de segurança privada que será contratada está de fato legalizada. “Nesse caso, minimamente o contratante sabe que o dono da empresa não é um bandido. Conheço casos de proprietários de empresas clandestinas que tinham relacionamento com a bandidagem. Aliás, o dono pode ser até o próprio bandido para se favorecer e praticar atos ilegais”, lembra Rogério Almeida, que sugere a todos a pesquisa no site da Polícia Federal para checar se a empresa está legalizada. Para acessar o link clique aqui.
Fonte: Portal SP