“Na hora eu só pensei que ia morrer e não ver mais a minha família. Foi uma profissão muito ingrata a que eu escolhi.”
O misto de desespero e desabafo é do vigilante João (nome fictício), que estava no carro-forte alvo de três explosões na última segunda-feira em Guatapará.
Durante a ação, o vigilante Paulo César Martins Silva, 33 anos, foi atingido com um tiro de fuzil na cabeça e morreu na hora.
O sobrevivente, que prefere não se identificar por questões de segurança, quase entra para uma alarmante triste estatística: as duas mortes de vigilantes de carro-forte ocorridas neste ano no Estado ocorreram na região de Ribeirão.
No dia 7 de agosto, o motorista Vladimir Martinez, 49, morreu após uma troca de tiros com os criminosos na rodovia Abrão Assed, em Mococa. “Poderia ser eu no lugar do Vladimir. Estou vivo pela escala de trabalho”, diz o vigilante de carro-forte S.M.J., que há oito anos está na profissão.
O vigilante estava em Serrana e a equipe foi destacada pela empresa para ir imediatamente ao local para recolher o dinheiro que havia sobrado – foram levados R$ 1 milhão pelos criminosos, um terço do que havia no carro-forte.
“Quando cheguei me deparei com uma cena terrível: metade da massa encefálica do Vladimir estava espalhada no asfalto.”
Insustentável
O ataque a carros-fortes tem sido uma prática constante no Estado nos últimos anos – desde 2012 até agora, foram registrados 46 ocorrências do tipo.
“A situação é insustentável”, diz o diretor-regional do SindForte (Sindicato dos Trabalhadores em Transporte de Valores e Escolta Armada do Estado), João Batista Marcon de Castro.
Para especialistas, os criminosos estão cada dias mais ousados e usando tática terroristas em ações cinematográficas de alta periculosidade.
“Nós estamos presenciando na vida real o que antes era visto somente no cinema”, diz Ricardo Alves de Macedo, especialista em segurança.
‘Não dá mais para continuar’
Carlos (nome fictício), 32 anos, é um dos vigilantes que estava no carro-forte que conseguiu escapar do cerco dos criminosos na noite da última segunda-feira, em Guatapará.
Ele relembra que os tiros de fuzil começaram a ser disparados antes mesmo de os carros da quadrilha ultrapassarem os carros-fortes. Ao todo, cinco disparos atingiram o veículo onde Carlos estava. “Não tem como descrever. Só ouvi o barulho batendo na lata.”
O vigilante lembra que os criminosos frearam no meio da rodovia para obriagar a parada dos carros. “Mas conseguimos ultrapassar o canteiro e andar pela contramão. Não tinha ninguém na rodovia, estava tudo escuro. O que contou muito foi a experiência de 22 anos do motorista.”
Carlos está afastado por tempo indeterminado e ainda passará por psiquiatra. “O flash vem na cabeça, sempre me lembro do amigo que perdi. Não dá para relaxar nem em casa. Todo mundo está num nível de estresse máximo, não dá mais não para continuar, está muito perigoso. Tenho família e filho para criar”, afirmou.
‘Não deu pra fazer nada’
Seis dias depois do ataque ao carro-forte em Guatapará, o vigilante João (nome fictício) que estava ao lado de Paulo César Martins Silva – morto com um tiro de fuzil em Guatapará – ainda sente as marcas da ação criminosa.
“Tudo o que pensei na hora foi morrer e nunca mais ver a minha família. Meu ouvido está com um zumbido que continua até agora, causado pelas explosões. As imagens do que passei sempre voltam à minha cabeça”, conta.
João diz que não percebeu quando os criminosos começaram a preparar as explosões do carro-forte tombado na rodovia Antônio Machado Sant’Anna.
Ele e Paulo César eram os mais próximos ao cofre, o alvo da quadrilha. “Só consegui sobreviver porque o estrago foi tão forte que fez um buraco no teto do veículo. Se não fosse por isso não tinha como escapar. Essa foi a primeira experiência do tipo que passei em cinco anos de serviço e não desejo isso nem pro pior inimigo.”
O vigilante conta que, quando conseguiu sair do carro, os criminosos já haviam fugido. Ele deverá ficar afastado do trabalho pelo menos até a próxima quinta-feira.
“Estou com o corpo dolorido até hoje. Quando o carro-forte tombou, bati a cabeça. O meu uniforme ficou todo manchado de sangue [pelo tiro que acertou Paulo César]”, detalha.
João ainda não sabe se voltará ao trabalho após o afastamento. “Desde o que aconteceu, não fui mais trabalhar. Estou estudando o que vou fazer da minha vida. Foi uma profissão muito ingrata a que eu escolhi”, repete.
Milena Aurea/A Cidade
Daniel decidiu: vai deixar o trabalho de segurança no carro-forte (Foto: Milena Aurea/A Cidade)
Dinheiro
“O dinheiro está em primeiro plano e a vida vem depois.”
A frase é de Daniel (nome fictício), 33, vigilante de carro-forte há oito anos na profissão que prefere não se identificar por questões de segurança.
Ele diz que a tensão durante o serviço ocorre a todo tempo. “Na última segunda-feira, por exemplo, tivemos que retardar uma entrega porque havia suspeitos no local. O sentimento é de pânico, revolta e indignação.”
O vigilante destaca que a revolta é contra o Poder Público que deveria mudar a lei e melhorar a estrutura de trabalho, principalmente com relação aos armamentos, não contra a empresa.
“Foram duas mortes e uma tentativa de assalto aqui na nossa região em quatro meses. Os criminosos estão agindo como terroristas, jogando bombas com gente dentro dos carros. É muita crueldade.”
Daniel diz que pretende deixar a profissão pela falta de estrutura. “A casa está caindo. Nosso armamento é ultrapassado – revólver 38 e espingarda calibre 12, que dá um tiro e depois demora para carregar.”
ATAQUES NO ESTADO
2012
6
2013
13
2014
18
2015
9
MORTES
Neste ano, no Estado, foram registradas duas mortes de vigilantes de carro-forte – ambas ocorreram na região de Ribeirão Preto
SUSPEITOS
925 suspeitos foram presos neste ano durante operações contra o roubo de carga em todo o Estado
Fonte: JORNAL A CIDADE – SÃO PAULO – 16/11/15